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"O corpo em foco: Dumplin’, cultura da magreza e os silêncios sobre a gordofobia"

O filme Dumplin’ retrata a jornada de Willowdean Dickson, uma jovem acima do peso que cresce sob a influência da mãe, Rosie, uma ex-miss organizadora de concursos de beleza. Criada principalmente por sua tia Lucy, que sempre incentivou sua autoaceitação, Willowdean vê sua autoconfiança abalada após a morte da tia e pela constante comparação com os padrões estéticos impostos pela mãe. Como forma de protesto e homenagem a Lucy, ela decide se inscrever no concurso de beleza local, desafiando as normas e inspirando outras jovens a fazerem o mesmo. Ao longo desse processo, enfrenta desafios internos e externos, fortalecendo suas relações interpessoais e sua percepção sobre si mesma.


A narrativa de Dumplin’ suscita reflexões sobre a pressão estética e a cultura dietética. O longa evidencia a crítica à cultura da magreza e aos padrões estéticos impositivos, demonstrando como esses fatores influenciam a construção da identidade e a percepção corporal. A personagem Rosie simboliza essa cultura ao reforçar a ideia de que corpos magros são sinônimos de sucesso e felicidade, um conceito que precisa ser desconstruído para promover uma visão mais ampla da saúde. Além disso, o filme destaca a importância do suporte social: as relações de Willowdean com suas amigas, as drag queens e até mesmo com sua mãe demonstram como a rede de apoio contribui para a autoestima e o bem-estar emocional.


Entretanto, o filme apresenta limitações em sua abordagem. Embora critique os padrões de beleza, a representação da gordofobia é superficial, pois não aprofunda os impactos desse preconceito na saúde mental e nas oportunidades sociais das pessoas gordas. A gordofobia estrutural, que permeia desde o acesso à saúde até o mercado de trabalho e as relações interpessoais, não é devidamente explorada. O filme sugere que a autoestima pode ser resolvida com pequenos gestos de autoconfiança, sem abordar as dificuldades emocionais e institucionais enfrentadas por indivíduos que vivem em corpos fora do padrão. Além disso, a trama perpetua a ideia de que pessoas gordas precisam "provar" seu valor por meio de desafios ou superações, em vez de simplesmente existirem e serem aceitas. A ausência de uma discussão mais estruturada sobre transtornos alimentares também é um ponto fraco, especialmente considerando que o ambiente competitivo dos concursos de beleza pode ser um fator de risco para esses distúrbios. Um aprofundamento nesse aspecto poderia enriquecer a narrativa e contribuir para uma maior conscientização sobre os impactos da cultura dietética na saúde mental.


No contexto dos transtornos alimentares, é essencial questionar: a relação com a alimentação reflete um desejo de pertencimento ou uma expressão autêntica do cuidado consigo? Estudos indicam que, na maior parte das vezes, a preocupação com o peso é motivada pela estética e não pela saúde (Puhl et al., 2004; Hayes & Ross, 1987). Observa-se um afastamento da escuta subjetiva e da história de vida do indivíduo, enquanto a medicalização excessiva do corpo reforça a ideia de que saúde se restringe a parâmetros biométricos. Atualmente, a insatisfação com a imagem corporal é amplificada pelo discurso da medicina estética, que associa beleza, magreza e juventude a um ideal de bem-estar, criando uma pressão social para a construção do "corpo perfeito".


Dumplin’ é um filme relevante para discussões sobre autoestima e padrões de beleza, promovendo reflexões sobre o impacto do ambiente social na construção da identidade. No entanto, sua abordagem ainda é limitada em alguns aspectos, deixando de explorar de maneira mais profunda a interseção entre cultura dietética, transtornos alimentares e saúde mental. Para o campo da psicologia e da nutrição integrativa, é fundamental expandir esses debates e promover um olhar mais inclusivo e empático sobre a diversidade corporal. Ainda assim, o longa pode servir como um ponto de partida para reflexões críticas no contexto acadêmico e clínico, incentivando discussões mais aprofundadas sobre os impactos da cultura da magreza, da gordofobia e das narrativas de autoaceitação na saúde mental.

 
 
 

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