Quando Comer Vira Dor: A Anorexia Além do Prato
- Renata Campos

- 15 de mai.
- 2 min de leitura
Atualizado: 16 de mai.
RESENHA CRÍTICA do filme “FEED: O gosto do amor”
O filme “Feed: O gosto do amor” (2017) é um retrato sensível e ao mesmo tempo forte da trajetória de uma jovem em luto profundo e sua expressão psíquica através da anorexia nervosa. Olívia, a protagonista, simboliza muitas pacientes que transformam a dor da perda em controle corporal, onde o alimento passa a ser mais do que nutrição - torna-se um campo de disputa emocional, culpa, punição e identidade.
As cenas que marcam sua deterioração física e emocional não são apenas ilustrativas, mas extremamente simbólicas. A imagem do espelho e das roupas largas representa a distorção da imagem corporal, típica da anorexia, ao mesmo tempo que revela a negação de sua própria fragilidade. A recusa alimentar é uma forma silenciosa de gritar sua dor e buscar pertencimento ao irmão perdido - uma tentativa inconsciente de manter viva a presença dele dentro de si, mesmo que isso custe sua própria vida.
Durante as sessões com o psicólogo, diversas camadas emocionais são reveladas: a tentativa de esconder comida atrás da árvore, símbolo da conexão com o irmão; o questionamento sobre quando a recusa alimentar começou; e a negação da gravidade do problema. Essa fala - “Eu só esquecia de comer, tinha muita coisa pra fazer” - é recorrente em pacientes que minimizam os sintomas como forma de manter o controle. A voz do irmão morto, que a controla, julga e dita o que ela pode ou não fazer, representa o que muitos pacientes relatam como “a voz do transtorno alimentar”, uma voz que insiste, exigente e dissociada do eu real.
A frase “Você fez isso com você mesma” é extremamente violenta - e nesse ponto o filme também convida o espectador a refletir sobre o quanto a sociedade, as famílias e até algumas abordagens clínicas culpabilizam o indivíduo, sem entender os mecanismos emocionais por trás dos sintomas. A fala do pai (“precisa colocar carne nesse corpo, garotinha”) e da mãe (“fruta é só parte do jantar”) revelam a incompreensão da família, comum nesses quadros, reforçando a importância da psicoeducação e da escuta qualificada.
O ápice da desconstrução do controle aparece na cena da sonda enteral - um procedimento clinicamente necessário, mas profundamente invasivo e traumático, que explicita o esgotamento da autonomia corporal da paciente.
Por fim, o psicólogo diz: “A saúde é uma escolha e você pode fazê-la”, o que nos leva a refletir sobre o papel da responsabilização amorosa no cuidado. Quando há suporte, vínculo terapêutico e respeito ao tempo subjetivo de cada paciente, é possível abrir caminhos para a recuperação. O filme mostra com força que o transtorno alimentar não é uma escolha, mas a saúde pode ser - desde que acolhida, compreendida e sustentada com cuidado interdisciplinar.
Referências / fontes
BERTELSEN, Tommy (Diretor). Feed: O Gosto do Amor. Estados Unidos: Indy Entertainment, 2017. Filme.


Comentários